Te escrevo esta carta com os olhos marejados de lágrimas que não são minhas, pois já não sinto nada. Porém peço que acredite em mim quando digo que não foi sem resistência que cheguei a este estado.
Diante da certeza fluida de que te amava, tentei insistentemente sentir a tua partida. Por fidelidade, recorri a todas as cenas mais trágicas para me encher de melancolia alheia e estar triste. Mas só me era dado este estupor seco de deserto, esta falta de ânimo. Não chorei.
Passado o tempo, eu não sabia o que fazer deste marasmo inexpressível. Sabia que tinha de me decidir e fazer algo com a tua imagem, pois não suportava a ausência de motivos da tua partida (que eu provocara).
Assim te subjuguei. Te transformei em meu pior inimigo. As traições que fabricava me davam motivos para te odiar. Lembrei-me de todas as tuas falhas e de todas as nossas inconveniências.
Espalhei essa tua versão malévola, e os outros me apoiavam a decisão. Sei que te traí, meu amor. Mas foi por não saber o que fazer da tua ausência, foi por não saber o que fazer da minha total falta de ânimo pra superar a nossa inexistência. Assim me era mais fácil, e ao menos sentia algo.
Ocorre que me acometeu hoje que esta farsa em nada me auxilia. Continuo a não sentir. Não por não te amar (pois isto não seria possível), mas por falta de forças para verdadeiramente lamentar, por falta de algo vívido. Não sei mais sentir nada que nos convenha. Me esvaziei de tudo que nos identificava, porque foi preciso. Gostaria de recuperá-lo, mas continua tão distante, tão inatingível... Só sinto cansaço. Meus olhos ardem ao olhar a terra seca que nos separa.
Te amei pelo que tu eras, no gozo do nosso amor. Te amei pelo avesso, quando me foi dado te amar assim, para me iludir de que tinha motivos para ter nos abandonado. Agora te amo e só, ciente da ausência de explicação para o nosso fim, como se ama a alguém que partiu e de quem não se sabe o paradeiro ou o que provocou a separação.
Talvez já tenha mesmo te perdido. Porque não sei mais o que te dizer, quando antes as palavras pareciam poucas.
Peço-lhe, no entanto, que me perdoe. Sei que merecíamos mais - nós, que fomos tanto...
Quando olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de adeus / Juro que não acreditei, eu te estranhei / Me debrucei sobre teu corpo e duvidei / E me arrastei e te arranhei / E me agarrei nos teus cabelos / Nos teu peito, teu pijama / Nos teus pés ao pé da cama / Sem carinho, sem coberta / No tapete atrás da porta / Reclamei baixinho/ Dei pra maldizer o nosso lar / Pra sujar teu nome, te humilhar/ E me vingar a qualquer preço / Te adorando pelo avesso / Pra mostrar que ainda sou tua
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