quinta-feira, 31 de março de 2011
E mais:
Entorpecida. As emoções passam ao largo de mim; como se anestesiada, somente pudesse sentir resquícios longíquos, longíquos... Como a mão que formiga percebendo o toque. Quase percebe, mas não percebe. Tenho sensações distantes, como que perdidas, esquecidas. Pareço fora de mim, fora do meu próprio corpo. O familiar, o conhecido, tudo me escapa. Não reconheço nada.
Eco
Escrevendo para nada, sendo para ninguém. Assim se resume a minha ânsia de ser vista, de ser abarcada por algo, por algo... Meus momentos de consciência têm sido intermitentes. Antes o tédio trazia consigo a minha terceira visão; agora só traz o marasmo, mesmo. Tenho me sentido assim, ultimamente. Estática. Parada no tempo. Frequentemente tenho a sensação de viver uma vida que não a minha própria. E os dias passam, e passam, chego a certificar-me mais de uma vez em que ano, em que mês estou. Pareço flutuar numa imensidão de nada, de tédio. Tédio. Meus dias, minhas horas consumidas por esse ser-e-não-ser. Ativa, mas não ativa. Meio que dirigida insconscientemente.
Tenho medo de ter me perdido.
Tenho medo de ter me perdido.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
When I wake to realize, all I'd done / I'll be breaking strings / And all you're gonna feel / Is undone
Há muito esperara por aquele momento. Aquela borra de sangue representava uma conquista há muito anseada, desejada intensamente pelo âmago de todo o seu ser. Por quanto tempo - perguntava-se - não desejou que um estranho lhe negasse piedade, ignorasse suas ordens e lhe fizesse o que agora se tornara? Foram tantos que passaram, e nunca conseguiram ler isso nela, isso que tão evidente se fazia, ao menos a seus olhos. Quanto tempo havia levado para que um a entendesse e a violasse, sem misericórdia?
Há anos desejava a brutalidade, como quem espera por uma dádiva. Mantinha sua pureza intocada como um troféu, e o que mais queria, e intensamente o desejava, era que esse trunfo fosse jogado ao chão - destruído. Anseava pelo subjugo, pelo desrespeito torpe. E conseguira; sim, conseguira. Tornara-se outra, contra a vontade declarada, mas internalizada, uma vontade de transgressão que lhe deveria ser imputada externamente, assim entendia. Mantinha o poder esperando que outro o tomasse, e assim entendia que deveria ocorrer para que entrasse em contato com o obscuro de suas estranhas -- no fundo, sempre fora uma tentativa de autoconhecimento, de absorver a brutalidade do mundo como quem embala um filho.
E o que toda a brutalidade lhe proporcionara, agora que a tinha alcançado? Idealizara aquele momento de subjugo por muitos anos, esperando que aquilo fosse lhe apresentar um par à sua altura, um igual, merecedor. Em sua mente, aquele momento seria de entrega e de reconhecimento. Entretanto, só o que vislumbrava eram os destroços. Que identidade lhe restara? Sentia-se invisível. Havia sido tomada, e estava invisível, irreconhecida. Não sabia em que se tornar naquele momento - o que construir, depois de desvelada? Pensara que sua vulnerabilidade a alçaria a outras dimensões, mas somente lhe tornara fraca, fraca, fraca. Não se reconhecia mais.
Resoluta, percebeu que só havia uma solução possível: reconstruir o que se perdera, e adeus.
Há anos desejava a brutalidade, como quem espera por uma dádiva. Mantinha sua pureza intocada como um troféu, e o que mais queria, e intensamente o desejava, era que esse trunfo fosse jogado ao chão - destruído. Anseava pelo subjugo, pelo desrespeito torpe. E conseguira; sim, conseguira. Tornara-se outra, contra a vontade declarada, mas internalizada, uma vontade de transgressão que lhe deveria ser imputada externamente, assim entendia. Mantinha o poder esperando que outro o tomasse, e assim entendia que deveria ocorrer para que entrasse em contato com o obscuro de suas estranhas -- no fundo, sempre fora uma tentativa de autoconhecimento, de absorver a brutalidade do mundo como quem embala um filho.
E o que toda a brutalidade lhe proporcionara, agora que a tinha alcançado? Idealizara aquele momento de subjugo por muitos anos, esperando que aquilo fosse lhe apresentar um par à sua altura, um igual, merecedor. Em sua mente, aquele momento seria de entrega e de reconhecimento. Entretanto, só o que vislumbrava eram os destroços. Que identidade lhe restara? Sentia-se invisível. Havia sido tomada, e estava invisível, irreconhecida. Não sabia em que se tornar naquele momento - o que construir, depois de desvelada? Pensara que sua vulnerabilidade a alçaria a outras dimensões, mas somente lhe tornara fraca, fraca, fraca. Não se reconhecia mais.
Resoluta, percebeu que só havia uma solução possível: reconstruir o que se perdera, e adeus.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Estamos todos condenados / Eternamente condenados / Condenados a ser livres
Não sei descrever como os últimos quase dois anos se passaram. Dispensável falar sobre a relatividade do tempo e do sentir o tempo, por vezes rápido, por vezes lento demais, pois isso é universal (e como odeio as coisas que todos sentem!). De qualquer forma, senti estar flutuando no tempo, vivendo uma vida marginal à minha - inconsciente.
Passei muito tempo sem me lembrar do que ser inconsciente significava. E gozei cada minuto dessa insconsciência, enquanto ela durou -- a felicidade simples, iludida, lúdica, de se crer parte de um todo arquitetado pelo que é superior. Frequentemente senti-me parte, senti-me uma peça destinada a um fim concebível. E Deus sabe do quanto precisava desse sentimento de pertencer a uma estrutura alheia a mim. Bastou-me, por um tempo. Mas foi isso.
Sinto-me, novamente, degustando a gosma branca que sempre me acompanhou em todos os momentos da minha vida, e...dói. Sinto estar acompanhada pelo caos e pelo ócio, pelo vazio e pelo tédio, mais uma vez. Não sei se está intacta a minha integridade de antes, nem sei se se mantém intocado aquilo de que tanto me orgulhava. Não sei se posso simplesmente voltar ao que era antes, nem se posso me transformar em algo novo. Só me sinto sozinha, de novo, e nua. Nua das minhas balizas e dos meus confortos automáticos. Nua dos meus refúgios, que antes tanto me confortavam. Estou somente eu, livre, num universo agora totalmente diferente.
Algumas coisas não mudaram, entretanto. Eduardo continua intangível, etéreo, intocável, um ser altivo que vislumbro por tão pouco tempo em tantos...e some. Some, e o que me resta é o cotidiano, o acostumar-me ao tédio, a viver a vida real, que eu tanto quis buscar e que, sinceridade, não existe. Continuo ativa somente por estar, pois a vida ainda anda à margem de mim, como sempre andou -- agora somente consigo percebê-lo novamente.
E o que me resta? Somente aceitar a verdade insofismável de que, provavelmente, não há nada melhor a ser vivido. E as minhas concepções resumir-se-ão, provavelmente, ao marasmo da estabilidade, ao conforto mesquinho que sempre odiei.
Mais irônico do que tudo o que já foi dito: nem meu ego se manteve íntegro, haha. Culpa da minha sina de ver o que não existe, de esperar pelo que não há, e de crer poder ser vista. Still hopeless, dazed and confused. I guess I'm coming back home.
Passei muito tempo sem me lembrar do que ser inconsciente significava. E gozei cada minuto dessa insconsciência, enquanto ela durou -- a felicidade simples, iludida, lúdica, de se crer parte de um todo arquitetado pelo que é superior. Frequentemente senti-me parte, senti-me uma peça destinada a um fim concebível. E Deus sabe do quanto precisava desse sentimento de pertencer a uma estrutura alheia a mim. Bastou-me, por um tempo. Mas foi isso.
Sinto-me, novamente, degustando a gosma branca que sempre me acompanhou em todos os momentos da minha vida, e...dói. Sinto estar acompanhada pelo caos e pelo ócio, pelo vazio e pelo tédio, mais uma vez. Não sei se está intacta a minha integridade de antes, nem sei se se mantém intocado aquilo de que tanto me orgulhava. Não sei se posso simplesmente voltar ao que era antes, nem se posso me transformar em algo novo. Só me sinto sozinha, de novo, e nua. Nua das minhas balizas e dos meus confortos automáticos. Nua dos meus refúgios, que antes tanto me confortavam. Estou somente eu, livre, num universo agora totalmente diferente.
Algumas coisas não mudaram, entretanto. Eduardo continua intangível, etéreo, intocável, um ser altivo que vislumbro por tão pouco tempo em tantos...e some. Some, e o que me resta é o cotidiano, o acostumar-me ao tédio, a viver a vida real, que eu tanto quis buscar e que, sinceridade, não existe. Continuo ativa somente por estar, pois a vida ainda anda à margem de mim, como sempre andou -- agora somente consigo percebê-lo novamente.
E o que me resta? Somente aceitar a verdade insofismável de que, provavelmente, não há nada melhor a ser vivido. E as minhas concepções resumir-se-ão, provavelmente, ao marasmo da estabilidade, ao conforto mesquinho que sempre odiei.
Mais irônico do que tudo o que já foi dito: nem meu ego se manteve íntegro, haha. Culpa da minha sina de ver o que não existe, de esperar pelo que não há, e de crer poder ser vista. Still hopeless, dazed and confused. I guess I'm coming back home.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Dazed and confused
I'd written a whole post here about what I was feeling like... 4 hours ago. And I don't recognize my own words. Everything seems different, seems... false. I don't know. I don't recognized the things I have written about myself these days. They always seem to me a little bit "too much" after a while.
I used to like to write about myself before. It felt genuine... and I always had the urge to do it, the egocentric need of knowing myself. And I'd spent hours and hours doing that. Today I'm much more cautious and worried about it. Because it seems to me that I end up being the things I write. I end up being that momentaneous version of me, which, by definition, is not me.
I'm not pretty sure about what I am feeling right now. Maybe a little grateful. For life. I'm living now that moment when everything seems to be in its perfect place. For some time, obviously. I never get to have a feeling that goes on. I'm never satisfied with anything. I'm always feeling different kinds of things about the world, and life, and everything else. And that bunch of antagonic feelings contains the apatism, as well. The feeling-nothing I'd just written about. But it's all a version of me, and that's all. Nothing that comprehends me as a whole.
I don't know. I just felt like I had to edit the post, because I don't really feel bitter. And I can't make myself feel that. I can't. I can't do that just to make sense, to be understandable. I'm through with forced feelings, forced sensations, forced reactions. I'm completely done with that. That's probably the reason why I end up leaving all the time: I just can't bear the version of me that I created to someone else. I can't put up with it. Because nobody (and I hope I don't really mean nobody - in a perfect idealistic world) will ever understand me as a whole. Unfortunately.
I feel like much of what I said is a complete lie. Ok, not a complete lie, many facts are true. But not the way I put them together. It didn't make perfect sense after a while. It didn't express what I really am. And I feel I am something. I feel that I'm living. I'm not bitter. I'm not unhappy. Maybe too lonely sometimes. But definitely: I'm not in a grieving process. I recognize the beauty in the world - maybe in a too ludic way sometimes, too foolish, but I really do. And I'm enjoying living. I'm not dying. Sometimes nothing makes sense, but I'm still very interested in knowing things, in living. And I had to leave for the last time to get in touch with this side of me. Because unconsciently I was taking responsability for something I ended up not being. Now it hit me: there was a reason, after all: I am too fucking honest with myself. And I'm in love with doing that.
(And yes, I recognize the fact that this post may sound a little bit too cheerful and false, eventually. But that completely identifies me now: being free to reinvent myself. Because I was tired of being just one thing. And that, unfortunately, happened in every single relationship I was in. But I'm done with the philosophical analysis of my uneventful life. I'm completely through with that).
Now I just feel I'm ready to go on, despite the fact that a part of me will be left behind. With you. But I had to do it. I kind of owe that to us. And now I'm fully taking responsability for what I am.
And I'm officially closing the subject. I've got nothing else to say.
I used to like to write about myself before. It felt genuine... and I always had the urge to do it, the egocentric need of knowing myself. And I'd spent hours and hours doing that. Today I'm much more cautious and worried about it. Because it seems to me that I end up being the things I write. I end up being that momentaneous version of me, which, by definition, is not me.
I'm not pretty sure about what I am feeling right now. Maybe a little grateful. For life. I'm living now that moment when everything seems to be in its perfect place. For some time, obviously. I never get to have a feeling that goes on. I'm never satisfied with anything. I'm always feeling different kinds of things about the world, and life, and everything else. And that bunch of antagonic feelings contains the apatism, as well. The feeling-nothing I'd just written about. But it's all a version of me, and that's all. Nothing that comprehends me as a whole.
I don't know. I just felt like I had to edit the post, because I don't really feel bitter. And I can't make myself feel that. I can't. I can't do that just to make sense, to be understandable. I'm through with forced feelings, forced sensations, forced reactions. I'm completely done with that. That's probably the reason why I end up leaving all the time: I just can't bear the version of me that I created to someone else. I can't put up with it. Because nobody (and I hope I don't really mean nobody - in a perfect idealistic world) will ever understand me as a whole. Unfortunately.
I feel like much of what I said is a complete lie. Ok, not a complete lie, many facts are true. But not the way I put them together. It didn't make perfect sense after a while. It didn't express what I really am. And I feel I am something. I feel that I'm living. I'm not bitter. I'm not unhappy. Maybe too lonely sometimes. But definitely: I'm not in a grieving process. I recognize the beauty in the world - maybe in a too ludic way sometimes, too foolish, but I really do. And I'm enjoying living. I'm not dying. Sometimes nothing makes sense, but I'm still very interested in knowing things, in living. And I had to leave for the last time to get in touch with this side of me. Because unconsciently I was taking responsability for something I ended up not being. Now it hit me: there was a reason, after all: I am too fucking honest with myself. And I'm in love with doing that.
(And yes, I recognize the fact that this post may sound a little bit too cheerful and false, eventually. But that completely identifies me now: being free to reinvent myself. Because I was tired of being just one thing. And that, unfortunately, happened in every single relationship I was in. But I'm done with the philosophical analysis of my uneventful life. I'm completely through with that).
Now I just feel I'm ready to go on, despite the fact that a part of me will be left behind. With you. But I had to do it. I kind of owe that to us. And now I'm fully taking responsability for what I am.
And I'm officially closing the subject. I've got nothing else to say.
quarta-feira, 4 de março de 2009
But this was really goodbye.
Maybe a foolish or too romantic way to say that I'm leaving, but what I said it's definitive, either way. I just wanted to justify myself to myself. I wanted to show myself that leaving was the only choice that I've already made.
I don't want to talk about it either. The whole meaning of that post was just my idea of closure. A complete closure. I really don't wanna go back to what we were, sincerely. Maybe it wasn't very clear in the last post. But what I wanted to say was: I may still like you, but I'm leaving, because I'm not truly sorry for your absence. That's it, you know? I'm not trying anything, I'm not trying to haress you or anything. Maybe I was trying to make it more beautiful than it really is, but that's how I am, that's what brings meaning to my life. Sorry if that hurt you. I didn't mean that.
Have a nice life too. And, please, don't answer this. You weren't supposed to have answered the last post in the first place. I didn't expect to 'draw' your attention, I just wanted you to know that I'm sorry things couldn't be different.
Goodbye.
I don't want to talk about it either. The whole meaning of that post was just my idea of closure. A complete closure. I really don't wanna go back to what we were, sincerely. Maybe it wasn't very clear in the last post. But what I wanted to say was: I may still like you, but I'm leaving, because I'm not truly sorry for your absence. That's it, you know? I'm not trying anything, I'm not trying to haress you or anything. Maybe I was trying to make it more beautiful than it really is, but that's how I am, that's what brings meaning to my life. Sorry if that hurt you. I didn't mean that.
Have a nice life too. And, please, don't answer this. You weren't supposed to have answered the last post in the first place. I didn't expect to 'draw' your attention, I just wanted you to know that I'm sorry things couldn't be different.
Goodbye.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Meu amor,
Te escrevo esta carta com os olhos marejados de lágrimas que não são minhas, pois já não sinto nada. Porém peço que acredite em mim quando digo que não foi sem resistência que cheguei a este estado.
Diante da certeza fluida de que te amava, tentei insistentemente sentir a tua partida. Por fidelidade, recorri a todas as cenas mais trágicas para me encher de melancolia alheia e estar triste. Mas só me era dado este estupor seco de deserto, esta falta de ânimo. Não chorei.
Passado o tempo, eu não sabia o que fazer deste marasmo inexpressível. Sabia que tinha de me decidir e fazer algo com a tua imagem, pois não suportava a ausência de motivos da tua partida (que eu provocara).
Assim te subjuguei. Te transformei em meu pior inimigo. As traições que fabricava me davam motivos para te odiar. Lembrei-me de todas as tuas falhas e de todas as nossas inconveniências.
Espalhei essa tua versão malévola, e os outros me apoiavam a decisão. Sei que te traí, meu amor. Mas foi por não saber o que fazer da tua ausência, foi por não saber o que fazer da minha total falta de ânimo pra superar a nossa inexistência. Assim me era mais fácil, e ao menos sentia algo.
Ocorre que me acometeu hoje que esta farsa em nada me auxilia. Continuo a não sentir. Não por não te amar (pois isto não seria possível), mas por falta de forças para verdadeiramente lamentar, por falta de algo vívido. Não sei mais sentir nada que nos convenha. Me esvaziei de tudo que nos identificava, porque foi preciso. Gostaria de recuperá-lo, mas continua tão distante, tão inatingível... Só sinto cansaço. Meus olhos ardem ao olhar a terra seca que nos separa.
Te amei pelo que tu eras, no gozo do nosso amor. Te amei pelo avesso, quando me foi dado te amar assim, para me iludir de que tinha motivos para ter nos abandonado. Agora te amo e só, ciente da ausência de explicação para o nosso fim, como se ama a alguém que partiu e de quem não se sabe o paradeiro ou o que provocou a separação.
Talvez já tenha mesmo te perdido. Porque não sei mais o que te dizer, quando antes as palavras pareciam poucas.
Peço-lhe, no entanto, que me perdoe. Sei que merecíamos mais - nós, que fomos tanto...
Quando olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de adeus / Juro que não acreditei, eu te estranhei / Me debrucei sobre teu corpo e duvidei / E me arrastei e te arranhei / E me agarrei nos teus cabelos / Nos teu peito, teu pijama / Nos teus pés ao pé da cama / Sem carinho, sem coberta / No tapete atrás da porta / Reclamei baixinho/ Dei pra maldizer o nosso lar / Pra sujar teu nome, te humilhar/ E me vingar a qualquer preço / Te adorando pelo avesso / Pra mostrar que ainda sou tua
Diante da certeza fluida de que te amava, tentei insistentemente sentir a tua partida. Por fidelidade, recorri a todas as cenas mais trágicas para me encher de melancolia alheia e estar triste. Mas só me era dado este estupor seco de deserto, esta falta de ânimo. Não chorei.
Passado o tempo, eu não sabia o que fazer deste marasmo inexpressível. Sabia que tinha de me decidir e fazer algo com a tua imagem, pois não suportava a ausência de motivos da tua partida (que eu provocara).
Assim te subjuguei. Te transformei em meu pior inimigo. As traições que fabricava me davam motivos para te odiar. Lembrei-me de todas as tuas falhas e de todas as nossas inconveniências.
Espalhei essa tua versão malévola, e os outros me apoiavam a decisão. Sei que te traí, meu amor. Mas foi por não saber o que fazer da tua ausência, foi por não saber o que fazer da minha total falta de ânimo pra superar a nossa inexistência. Assim me era mais fácil, e ao menos sentia algo.
Ocorre que me acometeu hoje que esta farsa em nada me auxilia. Continuo a não sentir. Não por não te amar (pois isto não seria possível), mas por falta de forças para verdadeiramente lamentar, por falta de algo vívido. Não sei mais sentir nada que nos convenha. Me esvaziei de tudo que nos identificava, porque foi preciso. Gostaria de recuperá-lo, mas continua tão distante, tão inatingível... Só sinto cansaço. Meus olhos ardem ao olhar a terra seca que nos separa.
Te amei pelo que tu eras, no gozo do nosso amor. Te amei pelo avesso, quando me foi dado te amar assim, para me iludir de que tinha motivos para ter nos abandonado. Agora te amo e só, ciente da ausência de explicação para o nosso fim, como se ama a alguém que partiu e de quem não se sabe o paradeiro ou o que provocou a separação.
Talvez já tenha mesmo te perdido. Porque não sei mais o que te dizer, quando antes as palavras pareciam poucas.
Peço-lhe, no entanto, que me perdoe. Sei que merecíamos mais - nós, que fomos tanto...
Quando olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de adeus / Juro que não acreditei, eu te estranhei / Me debrucei sobre teu corpo e duvidei / E me arrastei e te arranhei / E me agarrei nos teus cabelos / Nos teu peito, teu pijama / Nos teus pés ao pé da cama / Sem carinho, sem coberta / No tapete atrás da porta / Reclamei baixinho/ Dei pra maldizer o nosso lar / Pra sujar teu nome, te humilhar/ E me vingar a qualquer preço / Te adorando pelo avesso / Pra mostrar que ainda sou tua
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